Este artigo foi originalmente publicado na CommonEdge como "A Palavra com 'B': como um Conceito mais Universal de Beleza pode Remodelar a Arquitetura".
Há uma nova escola de arquitetura em Nápoles chamada “Building Beauty” ["Construindo Beleza", tradução livre] dirigida por discípulos do ex-professor de Berkeley, Christopher Alexander. O nome contém uma referência deliberada a uma palavra raramente usada pelos arquitetos do establishment hoje - uma palavra que Alexander acredita que incorpora a ordem natural das coisas.
Para aqueles que seguem a ciência, a palavra beleza também está aparecendo com frequência, particularmente entre os biólogos evolucionistas, porque pássaros, rãs e outros organismos parecem ter um senso estético embutido que facilita a procriação. Como os animais podem ter uma "estética"? O ornitólogo de Yale, David Prum, acredita que criaturas como o pássaro-lobo macho atrai as fêmeas com um elaborado ritual que usa suas penas de cores vivas e uma espécie de área de acasalamento no chão construído especificamente para esse fim. Ele descreve o processo como "arbitrário", em vez de ligado a alguma função que era necessária para a seleção natural, o processo evolutivo que Charles Darwin explicou em seu livro A Origem das Espécies. E apesar de certo ceticismo entre os biólogos, a teoria de Prum está começando a se firmar, levando outros a investigarem o papel da beleza no mundo natural. Um artigo recente da New York Times Magazine apresentou uma reportagem de capa sobre seu trabalho.
Há também um interesse intenso no que é chamado de “neuroestética” no campo em expansão da ciência cognitiva. A arte, a música e a arquitetura estão recebendo a atenção devida dos neurocientistas à medida que examinam a capacidade do cérebro de entender o mundo através dos sentidos, usando o ambiente como parte do processo de pensamento. Alguns acreditam, como Prum, que a beleza no ambiente e entre os humanos é necessária para a sobrevivência e a saúde do Homo sapiens, assim como é entre outros seres do reino animal. Além disso, a apreciação estética da beleza é ligada aos nossos cérebros. Não está no “olho do observador”, como nos foi ensinado há muito tempo. John Onians publicou um livro persuasivo, European Art: A Neuroarthistory, que descreve as maneiras pelas quais a arte refletiu padrões cognitivos e evoluiu redes neurais no cérebro de pessoas de várias culturas e ambientes, do período paleolítico à era moderna.
Ainda mais surpreendente é o fato de que o ornamento, a coisa supérflua que Leon Battista Alberti disse que poderia ser “adicionado” a um prédio para realçar sua beleza, é tão necessário quanto. Os animais têm enfeites orgânicos que contribuem para a sua beleza e conveniência como parceiros, embora possam aumentar sua visibilidade como presa. O baiacu até constrói anéis elaborados no fundo arenoso de seu habitat para atrair parceiros, e os desenhos mais elaborados trazem os melhores resultados.A neurociência provou que os padrões, as texturas e a articulação dos limites fornecem pistas necessárias que permitem que os humanos negociem seus ambientes.
Em seu monumental tratado de quatro volumes, A Natureza da Ordem, Alexander ligou algumas das recentes descobertas da biologia evolutiva à arquitetura, ao discutir a necessidade de beleza na biosfera. O desenvolvimento evolucionário nos permitiu sobreviver e florescer ao precisamente adotar certas preferências específicas por belas coisas naturais. Isso agora está sendo reconhecido na disciplina em desenvolvimento “biofilia”, ou o amor pelas coisas vivas e suas estruturas.
Um fascinante novo periódico italiano, Intertwining, reúne muitas dessas ideias. O neurocientista italiano Vittorio Gallese juntou-se ao renomado arquiteto e educador Juhani Pallasmaa para iniciar colaborações entre cientistas e designers que pensavam de forma semelhante em todo o mundo, muitos dos quais apoiam a teoria da cognição incorporada. Se a primeira edição indica algo, é que essa fusão de arte, ciência e design mudará a maneira como olhamos para o ambiente projetado. Em seu novo livro, From Object to Experience, Harry Francis Mallgrave instiga os projetistas aabraçarem a experiência da arquitetura como seus usuários fazem e abandonarem a antiga obsessão com as qualidades da forma e do objeto.
Ele pergunta corretamente por que a dimensão social do projeto foi amplamente esquecida na prática contemporânea: “Nada é mais importante para a felicidade humana e a expressão do amor do que a nossa socialização. A expressão artística é apenas uma manifestação de um passo de seu desenvolvimento.Nossa propensão à ritualização, gestos e brincadeiras, nosso cultivo da beleza e nosso senso de comunidade — tudo está ligado a esse ethos social compartilhado, fundamental para nossas vidas.” Ao contrário do que os cientistas sociais acreditavam em meados do século XX, humanos em todas as culturas têm um senso compartilhado do que é belo que foi nutrido pela experiência.
Uma das fascinantes descobertas compartilhadas por biólogos e pesquisadores que estudam o cérebro é a percepção de que lugares e características ambientais específicas contribuem para o desenvolvimento de preferências “estéticas” do organismo. As espécies da floresta tropical cultivam características coloridas e usam o verde como camuflagem, enquanto as criaturas do deserto desenvolvem tons de terra e cores mais claras em sua pele ou camadas externas. Da mesma forma, todos os artefatos tradicionais e artes populares, incluindo a arquitetura, são baseados nos materiais e cores do ambiente particular em que seus produtores vivem. Somente a arquitetura do século passado renunciou a essas características regionais — até mesmo o chamado regionalismo "crítico". Um novo grupo de pesquisa fundado em Estocolmo em 2016, o Place Science, propôs um programa que pode fornecer dados sobre como as pessoas vivenciam um senso de lugar, usando ferramentas disponíveis comercialmente, bem como entre pesquisadores universitários.
O crescente grupo de pesquisadores e designers que participam das conferências bienais da Academia de Neurociência para Arquitetura (ANFA) está comprometida em trazer questões estéticas para a discussão de como o cérebro funciona. Muitos estão ligados às profissões de saúde, porque é claro que a beleza no ambiente terapêutico desempenha um papel na cura. Johns Hopkins estabeleceu o primeiro instituto médico para o estudo de neuroestética em 2016, apresentando seus primeiros resultados na reunião da ANFA daquele ano. Estranhamente, poucos líderes de programas de arquitetura participaram da reunião, e menos ainda parecem estar cientes da pesquisa lá apresentada. Tom Fisher, ex-diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Minnesota, afirmou que seus colegas decanos zombavam da ideia de ensinar neurociência a arquitetos quando ele abordou o assunto há alguns anos.
Ainda assim, é surpreendente saber que os decanos das escolas de arquitetura do nordeste são paranoicos em relação aos jovens que seguem as críticas “pós-modernas” do Modernismo durante as décadas de 1970 e 1980, como mostra quão arraigados são esses teóricos em nossas escolas de arquitetura.Você não os ouvirá aplaudindo os cientistas que continuam mostrando como a beleza afeta nossa saúde, felicidade e bem-estar. Eles nem usam a palavra para elogiar o trabalho de seus melhores alunos, porque ela foi banida há muito tempo do discurso do establishment. Como o ornamento, os conceitos estéticos tradicionais do verdadeiro e do belo foram retirados do cânon pelos modernistas após a década de 1920 e raramente foram discutidos desde então. Faço questão de enfatizar o "raramente", porque certamente houveram debates sobre essas ideias durante os anos 1970, que inclusive participei como estudante.
Os chamados textos pós-modernos, como Learning From Las Vegas, revelaram a lógica defeituosa por trás desses ataques na base atemporal e humanista do design visual, discutida pela primeira vez por Vitrúvio no século I a.C. Em vez de um equilíbrio entre firmitas, utilitas e venustas, o modernismo nos deu “utilidade + firmeza = prazer”,de acordo com Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour. Continuamos a abraçar essa fórmula absurda hoje.Os cientistas não se deixam mais enganar, então por que os arquitetos devem continuar enfatizando o “funcional” e o “tectônico” nos critérios estéticos? Como argumentei em ensaios anteriores na Common Edge, a ignorância da história do século XX não é desculpa para que os pronunciamentos flácidos sobre a estética pós-moderna sejam um subproduto do Reaganismo ou MAGA, ou ataques a autores que defendem pontos de vista que criticam o establishment acadêmico.
Beleza não é política ou ideológica. Está ligada ao nosso desenvolvimento como espécie e será sempre uma preocupação vital para aqueles que querem que nossa sociedade seja justa, igualitária e preocupada com a verdade — que é, sim, bonita de se ver. John Keats e Friedrich Schiller não estavam errados sobre a relação necessária entre duas coisas que acreditamos serem fundamentais para nossa humanidade, e uma delas começa com “B”.